Diferente não é quem o pretende ser. Este é um imitador do que ainda não foi imitado, mas nunca um ser diferente.
Diferente é quem foi dotado de alguns ‘mais’ e alguns ‘menos’ em hora, no momento e lugar errado. Para os outros. Que riem de inveja de não serem assim. E do medo de não agüentarem, caso um dia venham a ser. O diferente é um ser sempre mais próximo da perfeição.
O diferente nunca é um chato. Mas sempre é confundido com ele por pessoas menos sensíveis e avisadas. Supondo encontrar um chato onde está um diferente, talentos são rechaçados; vitórias são adiadas; esperanças são mortas.
Um diferente medroso, este sim acaba transformando-se num chato. Chato é um diferente que não vingou.
Os diferentes muito inteligentes entendem por que os outros não os entendem. Os diferentes raivosos acabam tendo razões sozinhos, contra o mundo inteiro. Diferente que se preza entende o porquê de quem o agride.
O diferente pago sempre o preço de estar – mesmo sem o querer – alterando algo, ameaçando rebanhos, carneiros e pastores. O diferente agüenta no lombo a ira do irremediavelmente igual, a inveja do comum, o ódio do mediano. O verdadeiro diferente sabe que nunca tem razão, mas que sempre está certo.
O diferente começa a sofrer cedo, desde o primário, onde todos os demais de mãos dadas, e até mesmo alguns professores por omissão (principalmente os mais grossos), se unem para transformar o que é peculiaridade e potencial, em aleijão e caricatura. O que é percepção aguçada em “ – puxa, fulano, como você é complicado”. O que é embrião de um estilo próprio em “ – Você está vendo como é que todo mundo faz?”
O diferente carrega desde cedo apelidos e marcações nos quais acaba transformando-se. Só os diferentes mais fortes do que o mundo se transformam nos seus grandes modificadores.
Diferente é o que vê mais longe do que o consenso. O que sente antes mesmo dos demais começarem a perceber. Diferente é o que se emociona enquanto todos em torno agridem e gargalham.
Diferente é o que: engorda mais um pouco; chora, onde outros xingam; estuda, onde outros burram. Quer, onde outros cansam. Espera de onde já não vem. Sonha entre realistas. Concretiza entre sonhadores. Fala de leite em reunião de bêbados. Cria, onde o hábito rotiniza. Sofre, onde outros ganham.
Diferente é o que: fica doente onde a alegria impera. Aceita empregos que ninguém supunha. Perde horas em coisas que só ele sabe importantes. Engorda onde não deve. Diz sempre na hora de calar. Cala sempre nas horas erradas. Não desiste de lutar pela harmonia. Fala de amor no meio da guerra. Deixa o adversário fazer gol, porque gosta mais de jogar do que ganhar.
Diferente é o que aprendeu a superar o riso, o deboche, o escárnio e a consciência dolorosa de que a mídia é má, porque é igual.
Os diferentes aí estão: enfermos; paralíticos; machucados; engordados; magros demais; bonitos demais; inteligentes em excesso; bons demais para aquele cargo; excepcionais: narigudos; barrigudos; joelhudos; de pé grande; feios; de roupas erradas; cheios de espinhas; os diferentes aí estão, doendo e doendo, mas procurando ser, conseguindo ser, ‘sendo’ muito mais.
A alma dos diferentes é feita de uma luz além. A estrela dos diferentes tem moradas deslumbrantes que eles guardam para os poucos que forem capazes de os sentir e entender. Nessas moradas estão os maiores tesouros da ternura humana. De que só os diferentes são capazes.
Não mexa com o amor de um diferente. A menos que você seja suficientemente forte para suportá-lo depois.
Autor: Artur da Távola (1936-2008)