Os Diferentes
O hobby e o objeto da coisa
Imagem ilustrativa: https://unsplash.com/ |
Ah... Se há! Há tantos quantos existem as mazelas do mundo. Esses cretinos, patifes, calhordas, alcoviteiros, energúmenos, palermas, pulhas, sacripantas... todos eles ou ele só, os mentirosos, dão impressão de maioria porque são os mais barulhentos.
"O que a vida quer da gente é coragem" - Riobaldo. Grande Sertão: veredas
O primeiro passo foi decidir em relação ao rumo que tomaria. A dúvida era: será que é melhor sair ou ficar na cidade onde moro há quarenta e nove dos meus cinquenta anos de existência? Foi nessa reflexão que senti a minha ligação com a terra que me criou. Aqui conheço pessoas, conheço as paisagens, conheço o arrebol ao ocaso, ainda conheço os aromas das noites e madrugadas e os sinais de chuvas vindas dos astros, da atmosfera e da vida ainda natural, como os insetos e pásaros. Enfim, aqui me identifico como pessoa, me recheço na cultura da natureza do Vale do Jaguaribe.
A busca passou a ser por um lugar onde fosse o mais longe do núcleo urbano possível, mas também não tão distante para viagens diárias. Não foi uma tarefa fácil, mas consegui encontrar um pedacinho de terra onde se pode ver mais paisagens naturais, um lugar pra me exercitar através da agricultura com a esperança de que possa começar a me equilibrar a um ritmo mais natural, mais saudável e sadio. Onde dar uma volta pela rua ou simplesmente me esticar um pouco na rede com a janela do nascente aberta. Inspiração pra mim e paz... um pouco de paz de espírito, se possível.
Embora as feridas abertas na caminhada tenham sido profundas, sei que me acompanharão aonde eu for. Mas ter um espaço como válvula de escape será bom. A casa é antiga, pelo que pude ouvir do vendedor, ela tem mais de cem anos e sua construção, com a exceção de duas construções, sendo uma garagem de terra batida e paredes de tijolo queimado e um banheiro atrás da casa. O restante da construção é feita essencialmente de tijolos de adobe e massa de areia, capim, barro e talvez cal. Os caibros e as linhas de sustentação são feitas com toras de carnaúba, uma palmeira abundante na região e muito utilizada para esse fim.
Carnaubal: a carnaúba é uma árvore resistente as secas e a terrenos alagados. Carnaúba vem du tupi, que quer dizer "árvore que arranha". Depois da colonização ficou conhecida como árvore da vida. |
A casa está em péssimo estado de conservação, embora acredite que possa ser reformada sem muitos problemas. Preciso levar alguém com intuição e conhecimento nesse de tipo de construção o que não é fácil aqui na minha região. Ao lado da casa tem um terreno de 45m X 20m de largura, algumas carnaúbas e nem um outro tipo de vegetação típica, embora na frente da casa tem um pé que acácia de flores amarelas. Na frente também tem uma calçada de cimento queimado, igual ao piso da casa, cercado por uma mureta e um portão de ferro pequeno.
Agora vem os desafios de reformar a casa e deixá-la em melhores condições, o que vai ter que esperar até diminuirem as contas que passaram do limite. Porém, como diz a frase do personagem Riobaldo no brilhante romance de Guimarães Rosa: "O que a vida quer da gente é coragem".
Mudança + Transformação = recomposição do ser
Essa característica que surgiu pela necessidade da comunidade se unir e trabalharem juntos, através dos mutirões para construírem casas e consertar estradas, nos serões, na defesa da comunidade, na sobrevivência às secas e as enchentes.
Era quando a comunidade se envolvia especificamente em auxiliar outro membro da comunidade a debulhar suas bajas de feijão e espigas de milho, nas colheitas, descascar o arroz, no corte da cana-de-açúcar, passar noite e boa parte da madrugada nas torras das farinhadas etc.
A necessidade de retorno à essas origens parecem apontar o caminho que a humanidade precisa fazer para conseguir, ou pelo menos tentar, fazer um retorno civilizacional na direção oposta a que hoje se apresenta. Mudanças climáticas, fenômenos naturais atípicos, inundações, secas e a busca incessante e devastadora dos recursos naturais.
Esse modelo de "desenvolvimento" nada mais é do que a exploração de utensílios, máquinas e objetos que seriam perfeitamente dispensáveis para uma sociedade saudável viver com tranquilidade e harmonia. O consumismo cria objetos fúteis apenas pelos fins comerciais. O lucro.
Para mim pessoalmente é uma questão de continuar vivo, continuar tendo sonhos e planos. Afinal, esses são os propulsores do que chamamos vontade de viver. O cansaço com a mesquinhez de alguns seres humanos, a falta de caráter, a miudeza de espírito de pessoas que vivem a vida inteira apenas na superfície, na planície do conhecimento humano, ou pele menos, que consideramos dignos de serem chamados pelos títulos que possuem.
Sinto em muitos momentos, como aqueles meus ancestrais que falei, estou à beira do fim e sem mais nenhuma perspectiva sobre o futuro. Andava assim quando voltei a assistir alguns vídeos de pessoas que saíram de seus trabalhos para se dedicarem a alguma atividade rural, no entanto, não se aplica a mim por vários motivos, mas principalmente pelo trabalho.
Posso
perfeitamente conviver no trabalho e desenvolver um trabalho no campo que seja
paralelo, estou (pensando alto agora) disposto a diminuir minha carga horária e
ganhar menos para alcançar esse objetivo. Quanto vale uma vida saudável e
pacífica?
Por ter passado a
vida inteira morando no sertão pensava em ir para um lugar completamente
diferente, como no caso de uma serra. Pois meu pai e seus familiares são todos
originariamente serranos da Meruoca e da serra do Rosário, mas existem outras
questões como a distância do lugar para a capital do estado, onde mora a minha
filha.
Pensei em seguida
no Maciço do Baturité, pela proximidade com a capital ou para as bandas da
família da minha mãe, assim como ela mesma, é de uma cidade do litoral leste do
Ceará, porém fica na mesma região onde estou hoje. Então os roteiros principais
são esses, em uma dessas eu gostaria de me estabelecer. Começar uma nova
jornada aos cinquenta nos de idade.
Uma característica
importante pra mim, além da pacificidade do local, também deve ser a questão
cultural e ambiental. Nesse ponto o lugar deve ter no mínimo, um povo disposto
a proteger suas memórias, as histórias e onde o poder público do município
tenha o mínimo de interesse necessário para desenvolver uma atividade
permanente que inclua a Cultura e o Meio Ambiente do município como uma de suas
prioridades (sonho).
Hoje já não sou
tão novo e saudável, minha maior preocupação é não ter mais o ânimo e a mesma
força para viver e realizar os planos como tinha antes. São dezenas de
detalhes, desde mudança de endereço e todo o inconveniente burocrático da atual
vida em sociedade. Uma mudança dessas também envolvem, no meu caso, a minha
mulher, que trabalha e tem seus planos pessoais também.
Não sei o que acontecerá,
mas não creio que a minha vontade de mudar não exista mais. Existe e cobra de
mim todos os dias, desde do amanhecer ao fim do dia. Não sei o que acontecerá, mas pretendo deixar as
pessoas que lerem essas palavras à par dos acontecimentos que estão porvir
nessa minha tentativa de uma nova experiência de vida.
Em frente.
Soluções para um mundo congestionado
Cidade de Aracati-CE - Foto: Grupo Lua Cheia |
Será
possível começar uma nova vida aos cinquenta anos de idade? É essa a pergunta
que venho me fazendo nos últimos anos. Por que faço tal pergunta? Não é difícil
supor que para a grande maioria das pessoas no Brasil de uma forma geral
trabalhar no que gosta é uma opção para poucos. Na grande maioria dos casos
passa-se a ter afeição ou acomodar-se ao trabalho com o passar dos anos.
Tempo
que tem amarrado muitos grilhões, em nome da ganância de poucos homens, aos
pescoços da esmagadora maioria de outros seres humanos, não só do Brasil, mas
como em todo o planeta. Vi, desde pequeno, o arrependimento nos olhos e nas
palavras dos meus familiares na hora da reta final. Aquele sentimento de não
ter de fato vivido, de ter muitas coisas ainda à serem feitas e que agora já
não serão mais possíveis, de fato certo e consumado. A angústia e a dor
dilaceraram meus ancestrais.
Respondendo
à pergunta feita no início: não gostaria de passar por essas angústias. Mas
será possível, já que vivemos em um mundo onde os conceitos, os estereótipos,
as disputas de poder/riqueza, o individualismo são elementos fundantes das
sociedades contemporâneas? Minha tendência (como sonhador e otimista
profissional por necessidade) é acredita que sim!
Tendo
em vista que a super lotação, a vida exaustiva de “zumbismo” que domina as
grandes cidades. As tensões, as neuroses, a ansiedade/depressão, a poluição do
ar e as doenças em decorrência desse tipo de vida que se consome como o riscar
e apagar de um fósforo. Tendo suas recompensas em pequenas doses de lazer,
quando existe uma possibilidade para isso, esse ritmo de vida tem consumido
milhões e milhões de pessoas no planeta, assim como no nosso “braseiro”.
Fatores
relacionados com a pandemia de 2019 e que nos atingiu no início do ano de 2020,
foi marcado pela busca por alternativas para repensar a vida e desviar dos
problemas da vida cotidiana urbana do nosso tempo. Esse repensar levou ao início de um movimento
que vem paulatinamente crescendo no Brasil: a saída das grandes cidades em
busca de uma vida no campo.
A aproximação com a natureza, trajetos curtos para se transportar ao trabalho ou mesmo trabalhar em alguma atividade prática da vida rural ou em “home office” dentre tantas possibilidades.
Convido
vocês a verem alguns números sobre este assunto. Pois de acordo com pesquisa
divulgada pela TVBrasil, já no ano de 2021 mais de 1,5 milhões de brasileiros
queriam mudar da cidade para as zonas rurais se tivessem a oportunidade. É
preciso reconhecer que é um número bastante significativo de brasileiros que
moram nas chamadas grandes cidades com esse desejo.
End. Eletrônico: TVBrasil https://tvbrasil.ebc.com.br/reporter-brasil/2021/04/pesquisa-quase-15-milhao-de-familias-querem-migrar-para-campo
Quando
se dizia, ainda em 2020 acerca da pandemia de Covid-19, que a única coisa certa
era que: o mundo jamais voltaria a ser o mesmo depois da pandemia.
Pois é! E já está acontecendo um redirecionamento dos modos de vida,
especialmente entre nós, em busca de mais contato com os modos completamente
opostos. A busca por uma vida mais saudável diante do fracasso dos maléficos
industrializados, segurança, tranquilidade e paz para viver.
Apenas
essas questões e minhas questões de saúde, para mim pelo menos, têm movido o
desejo dessa mudança. E olha que eu moro numa cidade considerada pequena, mas
não foge à regra do desenvolvimentismo desgovernado, da falta de respeito ao
meio ambiente e a população municipal. Sociedade antiga e já bem sedimentada,
de difícil transformação sócio-cultural, ao meu ver, pelo menos nas próximas
cinco décadas... e já não tenho mais tanto tempo.
Aliás,
por falar em tempo de vida, sempre penso que o salário deveria ser baseado não
só na venda pura e simples da mão-de-obra, mas também pelo bem mais precioso
que temos: o tempo de vida humano. Então, em meus delírios de mundo melhor, o
valor do trabalho deveria ter incluído aos seus cálculos o tempo de vida, um
“produto” valioso e irreversível. É maluco pensar assim, mas não existe nada
mais importante para quem vive do que viver plenamente.
Mudar de vida depois de muitas lutas parece assustador, afinal, não se tem tanta saúde e disposição quanto antes. No entanto, essas deficiências podem ser amenizadas pela experiência e pela maturidade do pensamento. Não sei o que vai acontecer, mas vou compartilhar essa experiência aqui.
Turno noturno
É
comum, por minha natureza, deixar certos detalhes dos acontecimentos da vida
passarem desapercebidos, para só depois de dias, às vezes, refletir sobre
alguns deles. Uma cena que me marcou
profundamente e na noite em que aconteceu não tive tempo de pensar muito, dando
sequência ao trabalho diário.
Era
uma sexta-feira à noite, onde funcionaram naquele ano três salas de aula
ocupadas por uma turma de segundo ano e duas de terceiro do Ensino Médio. Nos
demais dias da semana ainda funcionam mais duas salas com alunos do EJA, o
ensino de jovens e adultos. Muitas histórias de vida e superação poderiam ser
contadas naquelas cinco salas de aula do turno noturno, assim como outras
turmas que por lá passaram.
O
entardecer daquele dia já denunciava a possibilidade de chuvas à noite. Quando
cheguei de volta à escola, notei que não havia nenhum ônibus escolar, além de
poucas motos e bicicletas no estacionamento dos alunos. Não dei muita atenção,
alguns moram próximo e vem a pé, além dos costumeiros atrasos, tolerados pois os
alunos do turno noturno são quase todos trabalhadores.
Como
de costume entrei e logo que o vigilante fechou os portões, comecei a contagem
dos alunos. A quantidade de alunos é importante para que as cozinheiras possam
fazer merenda suficiente para todos, ao mesmo tempo que é uma forma de eu estar
junto a eles. Começo sempre pelo segundo ano regular, chegando na sala fiquei
estupefato com a cena digna de fotografia: uma sala esvaziada, porém
completamente cheia de significado e beleza. A nobre professora senta na frente
do birô e na sua frente uma única aluna, que ouvia suas palavras com atenção.
A
cena me causou um impacto profundo pela sua plasticidade e riqueza. Fiquei tão
absorto que não me passou pela cabeça registrar aquela imagem. Somente no dia
seguinte me veio novamente a imagem na minha cabeça, não pude de deixar de
pensar em quais motivos animavam a obstinação daquela jovem, aquela vontade de
chegar a um lugar para escapar de outro. Seus olhos eram tristes e
constantemente voltados timidamente para o chão, as expressões do roso não se
alteravam entre sorrir ou encerrar as sobrancelhas, não. Ela não demonstrava
nada sobre si, um mistério pra mim que não a conheço pessoalmente, não sei de
seus problemas, dilemas e objetivos.
Espero que ela não desista.