As Endoenças: Antiga celebração da Semana Santa em Russas

Procissão em Russas na década de 1950

 

As primeiras procissões começaram na idade média, ainda sem uma fundamentação teológica, eram romarias e peregrinos que desordenadamente buscavam a salvação nos templos, igrejas e na própria Roma. Com o passar dos séculos e com o ordenamento e a evolução do pensamento teológico, compartilhado agora por boa parte do povo, os significados e dogmas foram sendo estabelecidos nas normas e condutas de cada sociedade.

Portanto, agora havia um objetivo claro, uma organização secular que organiza e deixa seus fiéis organizarem a comemoração de cada dia Santo. Desde que não desobedeça aos tradicionais dogmas e regras impostas aos fiéis para serem seguidas na organização da celebração. Assim, as procissões ganharam um caráter múltiplo, tanto de homenagem, como de clamor, de adoração ou agradecimento.

Aqui na cidade de Russas, por exemplo, temos notícias das primeiras procissões ainda na primeira metade do século 18, quando foram criados as Irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e, posteriormente, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Brancos, tendo sido inclusive tema de outro artigo. Havia, na época essa distinção pela própria cultura escravagista, embora sempre tenha sido Nossa Senhora do Rosário considerada protetora dos povos negros escravizados.

Já na segunda metade do século 18 aparece fortemente outras irmandades religiosas como é o caso da Irmandade do Santíssimo Sacramento bastante atuante e responsável por uma das demonstrações de fé que atraia romeiros e moradores de cidades vizinhas a virem conhecer em Russas a apresentação da Semana Santa, que na época chamava-se de Endoenças.

De acordo com a documentação transcrita do 1º Livro de Tombo de Russas e pelo registro das despesas da Irmandade do Santíssimo Sacramento pode-se constatar o vulto que tinha tal comemoração. Durante as duas semanas de festas o ponto mais alto das celebrações era o dia da morte de Jesus, a Sexta-feira da Paixão. São as duas procissões mais tocantes e comoventes pela expressão de fé.

Logo pela manhã da sexta-feira, começavam as duas principais procissões de Russas, de um lado da cidade saía a procissão tendo no andor a imagem de Nossa Senhora das Dores. No outro lado da cidade vinha a procissão dos Irmãos do Santíssimo Sacramento, que levavam no andor uma imagem de Jesus levando a cruz e toda a sua paixão na terra.

Para demostrarem a fé e compartilharem a Dor simbólica deste dia, os Irmãos do Santíssimo que levavam o andor, aceleravam o passo, ganhando velocidade e depois caíam de joelhos no chão sem largar o andor de Jesus. Nesse momento, aparecia uma personagem conhecida por “Verônica”[1]. Era desenrolado um pano vermelho com o rosto de Cristo, enquanto essa personagem dizia: “Ó vos todos que passais pelo caminho, vêde se há dor semelhante a minha dor[2].

A representação das Endoenças terminava, quando essas duas procissões se encontravam ao chegarem a Matriz de Russas. Daí começava a missa cantada – onde os padres e pároco revezavam do altar-mor principal e os outros quatro alares das laterais da Matriz (Retirados em reforma realizado pelo Pe. Pedro de Alcântara entre as décadas de 70 e 80).

As celebrações da Semana Santa nesses moldes (quiçá medievais) teve sua interrupção somente no início do século 20, quando o Papa Pio XI promoveu a Reforma Litúrgica de 1925. Hoje a Semana Santa em Russas não tem nenhuma manifestação de maior vulto, sendo lembrado por poucos, outros tantos só sabem que é feriado nacional.

 



[1] Araújo, Pe. Pedro de Alcântara. “Capital e Santuário: imagens russano-nordestinas”; Ed. IOCE – 1986. Pág. 118.

[2] Ibdem. 





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