Mamãe. Parnaíba é uma cidade monarca de grande. De manhazinha se alvoroça tanta gente na beira do rio que parece formiga ao redor de lagartixa morta e quase tudo é trabaiador caçando ganho. O mercado é outro despotismo. Se arreune mais povo do que na desobriga quando o padre diz missa na capela dos morros da Dona Chiquinha. Tudo se vende, de tudo se faz dinheiro. Fiquei besta de espiar gente comprando maxixe, quiabo, limão azedo, folha de João-Gome e inté taiada de girmum.
O passadio daqui é
bom. Todo dia eu como pão da cidade com manteiga do reino. Mamãe. As coisas
aqui são muito deferente e adversas daí. As casas são apregadas uma nas outras
que nem casa de maribondo de parede e é quase de telha e atijolada e tem umas
calçadas e forrada de táuba pru riba que nem gaiola de xexéu e se chama
sobrado.
Gente rica é
O povo daqui tem um
sestro munto engraçado. Não diz “ô de casa”, não; quando chegam nas casa
alheia, bate é palma como quem estruma cachorro mode acua tatu no buraco.
Mamãe, a luz aqui é feita num tal de gazome. Não precisa pavio nem trucida de
algodão mode acender. É só distrocer uma torneira como quem tira cachaça de
ancoreta e riscar um fosco que a luz acende biatamente e tão culara que faz é
gosto. Se o cristão não acender mais que depressa espáia um cheiro de cebola
podre danado, diz pru via dum tal de carabureto.
Mamãe aqui tem um
jogo chamado biá que num hai diabo no mundo que intenda, mais porém, só joga
nele gente de famia. É arredor duma mesa grande forrada cum pano como baú de
pregaria e os jogador segurando umas vara mode empurrar uma bola que é vê ovo
de ema. Quando estão jogando dê por visto dois mexedor de farinha num forno de
barro, ajeitando os rodo mode não desmanchar os beiju. Mamãe, aqui tem também
uma latejo invisive que é um tal de cinema. É só a musga tocá, aparece uma
figura de gente, de animal e de rua, tudo prefeito, mesminho, como se estivesse
vivo e bulindo. O cinema é um pano esticado parecido com vela de embarcação e é
a coisa mais bonita eu já vi.
Mamãe, cheguei onte
de Tutoia. Fui nas barca da Companhia Busse mode trabaiá num vapor inguilez,
ganhando dois minréis por dia e quatro pru noite. Na Tutoia a gente vê o mar
inté onde ele encosta nas parede do céu. As barca sacode a gente chega faz dô
de instambo e vontade de vomitar qui nem urubu novo, tudo isso pru via de
desassossego do mar. O vapor inguilez é um paidégua de grande, maior do que a
vazante de fumo do compadre Domingo Preto e mais alto do que o pé de tamarina
da porta lá de casa. Os purão de botá carga é tão fundo que escurece a vista de
cristão que espiá.
Mamãe, o pessoal que
mora no vapor são tudo branco rosalgá, ôio azu, cabelo vreimeio. A fala deles
só pro diabo, não hai no mundo quem intenda: é uma embruiada como de piriquito
em roça de milho novo. São danado por papagaio ou por uma garrafa de geritiba.
Quando os inguilez falam uns com os outro é uma trapaiada direitinho a de tia
Damiana adispois qui teve a molestrite do ar.
Outra coisa engraçada
que eu acho nos inguilez do vapor é tudo se chamar piloto, mode coisa qui os
padre da terra deles não batizam ninguém com outro nome. Preu lhe conta tudo
direitamente não hai papel que chegue. Vou acabar pruque já me dói as bonecas
dos dedo de eu tanto escrever.
Pesquisador Leonardo Mota, 1938.
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