Sertão Alegre - A Carta do Matuto por Leonardo Motta




Mamãe. Parnaíba é uma cidade monarca de grande. De manhazinha se alvoroça tanta gente na beira do rio que parece formiga ao redor de lagartixa morta e quase tudo é trabaiador caçando ganho. O mercado é outro despotismo. Se arreune mais povo do que na desobriga quando o padre diz missa na capela dos morros da Dona Chiquinha. Tudo se vende, de tudo se faz dinheiro. Fiquei besta de espiar gente comprando maxixe, quiabo, limão azedo, folha de João-Gome e inté taiada de girmum.

O passadio daqui é bom. Todo dia eu como pão da cidade com manteiga do reino. Mamãe. As coisas aqui são muito deferente e adversas daí. As casas são apregadas uma nas outras que nem casa de maribondo de parede e é quase de telha e atijolada e tem umas calçadas e forrada de táuba pru riba que nem gaiola de xexéu e se chama sobrado.

Gente rica é em demasia. Inda onte numa loja eu vi uma ruma de dinheiro de cobre no chão que parecia juá quando se ajunta mode dar pra bode em chiqueiro. Mamãe. A igreja faz inté sobroço de grande e alta. Cabe dentro dela todos os morador da Barra das Lage, do Bom Princípio, da Fazenda Nova e ainda se adquere lugar pra mais de cem vivente.

O povo daqui tem um sestro munto engraçado. Não diz “ô de casa”, não; quando chegam nas casa alheia, bate é palma como quem estruma cachorro mode acua tatu no buraco. Mamãe, a luz aqui é feita num tal de gazome. Não precisa pavio nem trucida de algodão mode acender. É só distrocer uma torneira como quem tira cachaça de ancoreta e riscar um fosco que a luz acende biatamente e tão culara que faz é gosto. Se o cristão não acender mais que depressa espáia um cheiro de cebola podre danado, diz pru via dum tal de carabureto.

Mamãe aqui tem um jogo chamado biá que num hai diabo no mundo que intenda, mais porém, só joga nele gente de famia. É arredor duma mesa grande forrada cum pano como baú de pregaria e os jogador segurando umas vara mode empurrar uma bola que é vê ovo de ema. Quando estão jogando dê por visto dois mexedor de farinha num forno de barro, ajeitando os rodo mode não desmanchar os beiju. Mamãe, aqui tem também uma latejo invisive que é um tal de cinema. É só a musga tocá, aparece uma figura de gente, de animal e de rua, tudo prefeito, mesminho, como se estivesse vivo e bulindo. O cinema é um pano esticado parecido com vela de embarcação e é a coisa mais bonita eu já vi.

Mamãe, cheguei onte de Tutoia. Fui nas barca da Companhia Busse mode trabaiá num vapor inguilez, ganhando dois minréis por dia e quatro pru noite. Na Tutoia a gente vê o mar inté onde ele encosta nas parede do céu. As barca sacode a gente chega faz dô de instambo e vontade de vomitar qui nem urubu novo, tudo isso pru via de desassossego do mar. O vapor inguilez é um paidégua de grande, maior do que a vazante de fumo do compadre Domingo Preto e mais alto do que o pé de tamarina da porta lá de casa. Os purão de botá carga é tão fundo que escurece a vista de cristão que espiá.

Mamãe, o pessoal que mora no vapor são tudo branco rosalgá, ôio azu, cabelo vreimeio. A fala deles só pro diabo, não hai no mundo quem intenda: é uma embruiada como de piriquito em roça de milho novo. São danado por papagaio ou por uma garrafa de geritiba. Quando os inguilez falam uns com os outro é uma trapaiada direitinho a de tia Damiana adispois qui teve a molestrite do ar.

Outra coisa engraçada que eu acho nos inguilez do vapor é tudo se chamar piloto, mode coisa qui os padre da terra deles não batizam ninguém com outro nome. Preu lhe conta tudo direitamente não hai papel que chegue. Vou acabar pruque já me dói as bonecas dos dedo de eu tanto escrever.

Pesquisador Leonardo Mota, 1938.




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