É
comum, por minha natureza, deixar certos detalhes dos acontecimentos da vida
passarem desapercebidos, para só depois de dias, às vezes, refletir sobre
alguns deles. Uma cena que me marcou
profundamente e na noite em que aconteceu não tive tempo de pensar muito, dando
sequência ao trabalho diário.
Era
uma sexta-feira à noite, onde funcionaram naquele ano três salas de aula
ocupadas por uma turma de segundo ano e duas de terceiro do Ensino Médio. Nos
demais dias da semana ainda funcionam mais duas salas com alunos do EJA, o
ensino de jovens e adultos. Muitas histórias de vida e superação poderiam ser
contadas naquelas cinco salas de aula do turno noturno, assim como outras
turmas que por lá passaram.
O
entardecer daquele dia já denunciava a possibilidade de chuvas à noite. Quando
cheguei de volta à escola, notei que não havia nenhum ônibus escolar, além de
poucas motos e bicicletas no estacionamento dos alunos. Não dei muita atenção,
alguns moram próximo e vem a pé, além dos costumeiros atrasos, tolerados pois os
alunos do turno noturno são quase todos trabalhadores.
Como
de costume entrei e logo que o vigilante fechou os portões, comecei a contagem
dos alunos. A quantidade de alunos é importante para que as cozinheiras possam
fazer merenda suficiente para todos, ao mesmo tempo que é uma forma de eu estar
junto a eles. Começo sempre pelo segundo ano regular, chegando na sala fiquei
estupefato com a cena digna de fotografia: uma sala esvaziada, porém
completamente cheia de significado e beleza. A nobre professora senta na frente
do birô e na sua frente uma única aluna, que ouvia suas palavras com atenção.
A
cena me causou um impacto profundo pela sua plasticidade e riqueza. Fiquei tão
absorto que não me passou pela cabeça registrar aquela imagem. Somente no dia
seguinte me veio novamente a imagem na minha cabeça, não pude de deixar de
pensar em quais motivos animavam a obstinação daquela jovem, aquela vontade de
chegar a um lugar para escapar de outro. Seus olhos eram tristes e
constantemente voltados timidamente para o chão, as expressões do roso não se
alteravam entre sorrir ou encerrar as sobrancelhas, não. Ela não demonstrava
nada sobre si, um mistério pra mim que não a conheço pessoalmente, não sei de
seus problemas, dilemas e objetivos.
Espero que ela não desista.
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